Eu sempre gostei de poesia – não à toa, acabei na redação. Eu gosto particularmente do poema concreto, como os que fazia Ferreira Gullar. Acredite se quiser, isso tem muito a ver com UX Writing. Vou te mostrar:
“turvo turvo
a turva
mão do sopro
contra o muro
escuro”
O concretismo na poesia é o método pelo qual o autor utiliza recursos visuais em suas obras, de forma que a palavra desenha seu próprio significado dentro daquele contexto.
Então, assim: quando Gullar decide repetir a palavra turvo duas vezes, trocar de linha e usá-la mais uma vez, então dividir essa sentença no meio e colocar seu final na linha de baixo, sem pontuações, letras maiúsculas ou qualquer outro recurso narrativo, ele o faz por um motivo, certo?
Ferreira Gullar e tantos outros bons autores que eu poderia citar aqui (como Leonard Cohen, por exemplo) depositam tanta energia nessa construção subversiva da estrutura poética para conduzir o leitor na experiência de consumir esse conteúdo.
Automaticamente ao ler o Poema Sujo (obra da qual esse trecho foi retirado), você toma para si as características do autor quando o escreveu: o texto foi pensado para traduzir um estado de espírito/ um sentimento / uma mensagem. É uma dança sincrônica e perfeita entre palavra e leitor, vê?
Isso é um exemplo perfeito do cuidado com a experiência do usuário ou consumidor – se é que podemos chamar a poesia de produto.
UX Writing
Bom: fiz essa instrução por dois motivos. O primeiro deles é te mostrar que o UX Writing não é uma coisa nova e que todo bom autor sempre teve esse cuidado com quem consome seus textos (ou deveria ter).
O segundo é te mostrar o quanto o cuidado com o texto tem peso na hora de montar uma peça, um e-mail marketing, na hora de construir um site ou app, enfim…basicamente: em tudo que oferecemos ao usuário.
A aurora da experiência
Finalmente empresas perceberam que o usuário PRECISA de uma boa, ótima, incrível experiência quando entra em contato com a marca para decidir ficar – e voltar.
Isso é louvável, sério! Porque agora os olhares começam, enfim, a se voltar para fatores que antes eram considerados mínimos e indignos de serem notados, mas que na verdade fazem toda a diferença no sucesso ou fracasso de uma ação, peça ou produto.
Por exemplo:
Todos os dias quando volto para casa eu vejo o mesmo outdoor de uma grande empresa de convênios médicos na região onde eu moro. Todo dia eu bato os olhos nesse outdoor e todo dia eu me pergunto: “como deixaram isso acontecer?”.
Eu demorei dias para conseguir ler até o final a única frase que aquela propaganda continha – e tenho certeza de que esse não era o intuito de quem a escreveu.
Tenho certeza de que essa pessoa passou muito tempo otimizando a construção dessa frase para que a ideia a ser transmitida fosse explícita, para que ela soasse bem aos ouvidos e contivesse todas as outras qualidades necessárias para ser ali inserida.
Sério, a frase era boa! Mas ela não podia ser LIDA a tempo. Sabe por que? Porque ninguém pensou na experiência do usuário ao passar por aquele outdoor.
Eu saí frustrada porque não conseguia compreender sua mensagem, a empresa deve estar frustrada pois gastou dinheiro em vão e até mesmo seu ator deve estar descontente por não ter calculado o tempo necessário para ler sua sentença do início ao fim, em um carro em movimento na avenida.
Adequar palavras, otimizar experiências
O UX Writing é exatamente sobre isso: otimizar experiências por meio da redação, fazer dela um agente facilitador da compra do que está sendo vendido e aproximar a relação empresa/usuário.
É sobre conscientizar redatores para que façam uma escrita conectiva, inclusiva, FLUIDA.
Derrubando muros
O UX Writing também corta males pela raiz.
Vou te dar outro exemplo prático: quando você precisa preencher seus dados do cartão de crédito em um site de compras antes de saber informações cruciais, como o valor do frete, isso gera medo no consumidor.
Não seria surpresa se ele decidisse fechar a aba e desistir da compra simplesmente por não saber se, ao clicar no botão que o direciona à próxima página, esta seria finalizada sem que ele estivesse pronto para fazer isso.
Uma simples frase avisando-o de que isso não aconteceria resolveria o problema. Sem medo, o consumidor poderia avançar no processo de compra. Sem desistências, sem medos, sem barreiras.
Pensar e fazer isso é fazer escrita UX.
Ferreira Gullar pensou o Poema Sujo do início ao fim para que você tivesse uma boa experiência lendo seu conteúdo, mas acima de tudo, o fez para SER COMPREENDIDO.
Não apenas na hora da venda, passar a mensagem desejada é o objetivo, sempre.
Tem muitos autores falando sobre UX Writing, e isso é lindo. Deixo aquie aqui ótimas referências para quem quiser se inteirar melhor no assunto.
Deixo também o convite: qual é a sua opinião sobre o assunto? Vamos conversar ?